1. |
IN HOC SIGNO VINCES!
00:43
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Qualquer que seja o grau de progresso que tenha alcançado
a Europa em toda parte, em matéria religiosa não atingiu ainda a
ingenuidade liberal dos antigos brâmanes, o que prova que na
Índia, há quatro mil anos, se refletia e se transmitia aos
descendentes mais prazer na reflexão do que nós hoje. De fato,
esses brâmanes acreditavam em primeiro lugar que os sacerdotes
eram mais poderosos que os deuses e, em segundo lugar, que era
nos costumes que residia o poder dos sacerdotes: é por isso que
seus poetas não se cansavam de celebrar os costumes (súplicas,
cerimônias, sacrifícios, cantos, melopéias) que consideravam como
os verdadeiros distribuidores de todos os benefícios. Seja qual for
o grau de superstição e de poesia que se misturem a isso, os
princípios permanecem verdadeiros! Um passo mais e os deuses
seriam jogados de lado — o que a Europa deverá igualmente fazer
um dia! Ainda outro passo e se poderia também dispensar os
sacerdotes e os intermediários; veio o profeta que ensinava a
religião da redenção por si mesma, Buda: — como a Europa está
longe ainda deste grau de cultura! Quando finalmente todos os
hábitos e costumes em que se apóia o poder dos deuses, dos
sacerdotes e dos salvadores forem aniquilados, quando, portanto,
a moral, no sentido antigo, tiver sido morta, então virá — o que
virá
exatamente
então?
Mas
não
procuremos
adivinhar,
procuremos antes a captar o que, na Índia, no meio desse povo de
pensadores, foi considerado, há alguns milhares de anos, como o
mandamento do pensamento! Há hoje talvez dez a vinte milhões
de homens, entre os diferentes povos da Europa, que “não
acreditam mais em Deus” — será demais desejar que eles se
transformem em sinal? Desde que se reconheçam assim a eles
próprios, far-se-ão conhecer também — serão imediatamente uma
força na Europa e felizmente uma força entre os povos! Entre
todas as classes! Entre os pobres e os ricos! Entre aqueles que
mandam e aqueles que obedecem! Entre os inquietos e os
pacíficos, os pacificadores por excelência!
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2. |
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Outrora se procurava provar que não há Deus — hoje se
mostra como essa fé na existência de um Deus pôde se formar e
porque essa fé adquiriu peso e importância: é assim que a
contraprova que não há Deus se torna inútil. — Outrora, quando
se havia refutado as “provas da existência de Deus” que tinham
sido propostas, uma dúvida continuava persistindo ainda, ou seja,
se não se podia encontrar provas melhores que aquelas que se
acabava de refutar: nessa época os ateus não sabiam fazer tábua
rasa.
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3. |
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São Paulo já acreditava que um sacrifício era necessário
para dissipar o profundo desprazer que o pecado causa a Deus: e
desde então os cristãos não deixaram de derramar sobre uma
vítima seu descontentamento de si próprios — quer seja o
“mundo” ou a “história” ou a “razão” ou a alegria ou ainda a
tranqüilidade dos outros homens — é necessário que qualquer,
mas qualquer coisa de bom, morra por seus pecados (mesmo que
fosse somente em efígie)!
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4. |
O QUE É A VERDADE?
00:06
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Quem não haveria de ficar contente com a dedução que os
crentes fazem de boa vontade: “A ciência não pode ser verdadeira,
pois nega a Deus; por conseguinte, ela não vem de Deus; logo não
é verdadeira, pois Deus é a verdade”. Não é a dedução, mas a
hipótese primeira que contém o erro. Como, se Deus não fosse
precisamente a verdade e se isso fosse realmente provado? Se
fosse a vaidade, o desejo de poder, a impaciência, o temor, a
loucura extasiada e assustada dos homens?
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5. |
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Os homens verdadeiramente ativos dispensam agora o
cristianismo e os homens mais moderados e mais contemplativos
da
classe
intelectual
média
não
possuem
mais
que
um
cristianismo conveniente, isto é, singularmente simplificado. Um
Deus que, em seu amor, dispõe tudo em vista de nosso bem final,
um Deus que nos dá e nos tira nossa virtude bem como nossa
felicidade, de tal modo que, em suma, tudo termina por viver bem
e que não há mais razão para encarar a vida pelo lado negativo ou
mesmo para acusá-lo, numa palavra, a resignação e a humildade
elevadas ao grau de divindade — é isso o que de melhor e de mais
vivo restou do cristianismo. Mas se deveria perceber que, dessa
maneira, o cristianismo evoluiu para um doce moralismo: em vez
de “Deus, a liberdade e a imortalidade”, restou uma forma de
benevolência e de sentimentos honestos e também a crença que,
no universo inteiro, haverão de reinar um dia a benevolência e os
sentimentos honestos: é a eutanásia do cristianismo.
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6. |
A BOA-FÉ DE DEUS
00:21
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Um Deus onisciente e onipotente e que nem sequer cuidasse
para que suas intenções fossem compreendidas por suas criaturas
— seria ele um Deus de bondade? Um Deus que deixa subsistir
durante milênios inumeráveis duvidas e hesitações, como se essas
dúvidas e essas hesitações não tivessem importância para a
salvação da humanidade e que, no entanto, deixa prever as
conseqüências mais espantosas no caso de equívoco sobre a
verdade! Não seria um Deus cruel se possuísse a verdade e se
pudesse assistir friamente ao espetáculo da humanidade se
atormentando miseravelmente por causa dela? — Ou, apesar de
tudo, seria mesmo um Deus de amor — mas incapaz de se
exprimir mais claramente? Não teria espírito suficiente para isso?
Ou eloqüência? Seria muito mais grave! De fato, então se teria
enganado
talvez
naquilo
que
chama
sua
“verdade”
e
se
assemelharia muito ao “pobre diabo logrado”! Não deveria então
suportar quase os tormentos do inferno quando vê sofrer assim
suas criaturas e, mais ainda, sofrer por toda a eternidade, ao
querer conhecê-lo, e que ele não pode nem aconselhar nem
socorrer, a não ser como um surdo-mudo que faz todo tipo de
sinais indistintos quando seu filho ou seu cão está cercado dos
perigos
mais
assustadores?
Um
crente
angustiado
que
raciocinasse dessa forma seria verdadeiramente perdoável, se a
piedade pelo Deus sofredor estivesse mais a seu alcance que a
piedade pelo “próximo” — pois ele deixa de ser seu próximo se o
mais solitário, o mais original de todos os seres é também o mais
sofredor, o mais necessitado de consolação. — Todas as religiões
possuem um indício que devem sua origem a um estado da
intelectualidade humana demasiado jovem e sem maturidade —
todas elas tomam extraordinariamente com leviandade a obrigação
de dizer a verdade: não sabem ainda nada do dever divino de se
manifestar aos homens com clareza e veracidade. — Ninguém tem
sido mais eloqüente que Pascal para falar do “Deus escondido” e
das razões que tem para se manter tão escondido e nunca dizer as
coisas senão pela metade, sinal de que Pascal nunca pôde se
tranqüilizar a esse respeito: mas fala com tanta segurança que se
poderia crer que se encontrou por acaso nos bastidores. Ele
suspeitava uma imortalidade no “deus absconditus23”, mas teria
tido vergonha e teria tido medo de confessá-lo a si próprio: é por
isso que falava tão alto quanto podia, como alguém que tem medo.
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7. |
EGOÍSMO CONTRA EGOÍSMO
00:18
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Quanta gente há ainda que raciocina assim: “A vida seria
insuportável se não houvesse Deus!” (Ou como se diz nos círculos
idealistas: “A vida seria insuportável se faltasse no fundo sua
significação ética!”) — Por conseguinte, é necessário que haja um
Deus (ou uma significação moral da existência)! Na verdade, a
coisa é bem outra. Quem se habituou a essa idéia não deseja viver
sem ela: ela é, portanto, necessária para sua sobrevivência — mas
que presunção em decretar que tudo o que é necessário à minha
sobrevivência deve realmente existir! Como se minha sobrevivência
fosse algo necessário! Que aconteceria se outros tivessem a opinião contrária?
Se recusassem justamente viver na dependência desses dois artigos de fé e se, uma vez realizadas essas condições, a vida não lhes parecesse mais digna de ser vivida? — E é isso que acontece atualmente!
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8. |
A DÚVIDA COMO PECADO
00:31
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O cristianismo fez tudo o que lhe era possível para fechar
um círculo em torno dele: declarou que a dúvida, por si só,
constituía um pecado. Devemos ser lançados na fé sem a ajuda da
razão, por um milagre, e aí nadar como no elemento mais límpido
e menos equivoco: um simples olhar lançado para a terra firme, o
único pensamento de que talvez não fôssemos feitos para nadar, o
menor sobressalto de nossa natureza anfíbia — são suficientes
para nos levar a cometer um pecado! Devemos notar que, desse
modo, as provas da fé e qualquer reflexão sobre a origem da fé são
condenáveis. Exige-se a cegueira e a embriaguez e um canto
eterno sobre as ondas em que a razão se afogou!
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9. |
O MILAGRE MORAL
00:38
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No domínio moral, o cristianismo só conhece o milagre: a
mudança súbita de todas as avaliações, a renúncia repentina a
todos os hábitos, a inclinação repentina e irresistível para pessoas
e objetos novos. Considera este fenômeno como a ação de Deus e o
chama ato de regeneração,atribui-lhe um valor único e incomparável — Tudo o que de resto é chamado moralidade e que
não tem relação com esse milagre se torna desse modo indiferente
ao cristão e, enquanto sentimento de bem-estar e altivez, talvez
até mesmo objeto de temor. O cânon da virtude, do cumprimento
da Lei, é estabelecido no Novo Testamento, mas de tal forma que
seja o cânon da virtude impossível: os homens que ainda aspiram
a uma perfeição moral devem aprender, em relação a esse cânon,
a se sentir sempre mais distantes de seu objetivo, devem
desesperar da virtude e acabar por lançar-se nos braços do ser misericordioso — unicamente esta conclusão permitiria aos
esforços morais do cristão conservar um valor, na condição de que
esses esforços permanecessem sempre estéreis, dolorosos e
melancólicos; assim poderiam ainda servir para provocar esse
instante de êxtase em que o homem experimenta “a irrupção da
graça” e o milagre moral: — entretanto, essa luta pela moralidade
não é necessária, pois não é raro que esse milagre se abata sobre
o pecador justamente no momento em que floresce, por assim
dizer, a lepra do pecado; o salto brutal mais profundo e mais
fundamental para fora do pecado parece mesmo mais fácil e
também, como prova evidente do milagre, mais desejável. —
Penetrar o sentido de semelhante reviravolta súbita, irracional e
irresistível, de semelhante passagem da mais profunda miséria ao
mais profundo sentimento de bem-estar do ponto de vista
fisiológico (seria talvez uma forma velada de epilepsia?) — é
assunto para os psiquiatras que têm abundantemente ocasião
para observar semelhantes “milagres” (por exemplo, sob forma de
obsessão do crime ou do suicídio). O “resultado mais agradável”,
relativamente pelo menos, no caso do cristão — não constitui uma
diferença essencial.
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10. |
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Tudo o que pode provir do estômago, dos intestinos, dos
batimentos do coração, dos nervos, da bílis, do esperma — todas
essas indisposições, essas fraquezas, essas irritações, todos esses
acasos da máquina, que conhecemos tão mal — tudo isso um
cristão como Pascal considera como um fenômeno moral e
religioso e se pergunta se é Deus ou o diabo, o bem ou o mal, a
salvação ou a condenação, que é sua causa. Ai! que intérprete
infeliz! Como precisa contornar e torturar seu sistema! Como
precisa contornar-se e torturar-se ele próprio para ainda ter razão!
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11. |
SUTILEZA NA PENÚRIA
00:17
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Tomem cuidado sobretudo de zombar da mitologia dos
gregos, sob o pretexto de que ela se assemelha tão pouco à sua
profunda metafísica! Deveriam admirar um povo que, nesse caso
particular, pôs um freio à sua inteligência penetrante e teve
durante muito tempo o tato suficiente para escapar dos perigos da
escolástica e da superstição sofisticada!
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12. |
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Pode-se constatar bastante bem como o cristianismo desenvolve pouco o sentido da probidade e da justiça, analisando
os escritos de seus sábios: estes apresentam suas suposições com
tanta audácia como se fossem dogmas e a interpretação de uma
passagem da Bíblia raramente os mergulha num embaraço leal.
Incessantemente se pode ler: “Tenho razão porque está escrito” —
e então é uma tal impertinência arbitraria na interpretação que
leva um filólogo a se deter entre a cólera e o riso, para se
perguntar sempre e de novo: Será possível? Isso é honestidade? É
pelo menos decente? As deslealdades que são cometidas a esse
respeito do alto dos púlpitos protestantes, a forma grosseira com
que o pregador explora o fato que ninguém pode contestar,
deforma e acomoda a Bíblia e inculca assim no povo, de todas as
maneiras, a arte de ler mal — tudo isso é subestimado somente
por aquele que nunca vai ou que vai sempre à igreja. Mas, no final
das contas, que se pode esperar dos efeitos de uma religião que,
nos séculos em que foi fundada, executou essa extraordinária
farsa filológica em torno do Antigo Testamento? Refiro-me à
tentativa de tirar o Antigo Testamento dos judeus, com a
justificativa que só continha doutrinas cristãs e que não devia
pertencer senão aos cristãos, o verdadeiro povo de Israel, enquanto
os judeus apenas se tinham arrogado o direito sobre ele. Houve
então um delírio de interpretação e de interpolação que não podia
certamente se aliar-se à boa consciência; quaisquer que fossem os
protestos dos judeus, em toda parte, no Antigo Testamento, devia
tratar-se de Cristo, e nada mais que de Cristo, notadamente de
sua cruz, e todas as passagens em se tratava de madeira, de vara,
de escada, de ramo, de arvore, de salgueiro, de bastão, tudo isso
só poderia ser profecia relativa ao madeiro da cruz: mesmo o
erguimento do unicórnio e da serpente de bronze, o próprio Moisés
de braços abertos em oração, até os espetos em que se assava o
cordeiro pascal — tudo isso não passava de alusões e, de algum
modo, de prelúdios da cruz! Aqueles que afirmavam essas coisas,
alguma vez acreditaram nelas? A Igreja nem mesmo recuou diante
das interpolações no texto da versão dos Setenta22 (por exemplo,
no salmo 96, versículo 10) para conferir em seguida à passagem
fraudulentamente interpolada o sentido de uma profecia cristã. É
que se estava em guerra e que se pensava nos adversários e não
na honestidade.
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13. |
POBRE HUMANIDADE!
00:15
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Uma gota de sangue a mais ou a menos no cérebro pode
tornar nossa vida indizivelmente miserável e dura, embora
soframos mais com essa gota do que Prometeu com o abutre21.
Mas isso não é verdadeiramente de todo assustador a não ser
quando nem sequer se sabe que essa gota é sua causa. E que se
imagina que é “o diabo”! Ou “o pecado”!
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(A)xPORRÄLOKAx(E)
XXX...noisecore...XXX
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+++++++++++++++++
Anti-musga / Barulho-core / Dada Knup Experimental
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