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trax from "RAVING FUCKING MAD: A Noisecore Compilation"

by Porräloka

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1.
Qualquer que seja o grau de progresso que tenha alcançado a Europa em toda parte, em matéria religiosa não atingiu ainda a ingenuidade liberal dos antigos brâmanes, o que prova que na Índia, há quatro mil anos, se refletia e se transmitia aos descendentes mais prazer na reflexão do que nós hoje. De fato, esses brâmanes acreditavam em primeiro lugar que os sacerdotes eram mais poderosos que os deuses e, em segundo lugar, que era nos costumes que residia o poder dos sacerdotes: é por isso que seus poetas não se cansavam de celebrar os costumes (súplicas, cerimônias, sacrifícios, cantos, melopéias) que consideravam como os verdadeiros distribuidores de todos os benefícios. Seja qual for o grau de superstição e de poesia que se misturem a isso, os princípios permanecem verdadeiros! Um passo mais e os deuses seriam jogados de lado — o que a Europa deverá igualmente fazer um dia! Ainda outro passo e se poderia também dispensar os sacerdotes e os intermediários; veio o profeta que ensinava a religião da redenção por si mesma, Buda: — como a Europa está longe ainda deste grau de cultura! Quando finalmente todos os hábitos e costumes em que se apóia o poder dos deuses, dos sacerdotes e dos salvadores forem aniquilados, quando, portanto, a moral, no sentido antigo, tiver sido morta, então virá — o que virá exatamente então? Mas não procuremos adivinhar, procuremos antes a captar o que, na Índia, no meio desse povo de pensadores, foi considerado, há alguns milhares de anos, como o mandamento do pensamento! Há hoje talvez dez a vinte milhões de homens, entre os diferentes povos da Europa, que “não acreditam mais em Deus” — será demais desejar que eles se transformem em sinal? Desde que se reconheçam assim a eles próprios, far-se-ão conhecer também — serão imediatamente uma força na Europa e felizmente uma força entre os povos! Entre todas as classes! Entre os pobres e os ricos! Entre aqueles que mandam e aqueles que obedecem! Entre os inquietos e os pacíficos, os pacificadores por excelência!
2.
Outrora se procurava provar que não há Deus — hoje se mostra como essa fé na existência de um Deus pôde se formar e porque essa fé adquiriu peso e importância: é assim que a contraprova que não há Deus se torna inútil. — Outrora, quando se havia refutado as “provas da existência de Deus” que tinham sido propostas, uma dúvida continuava persistindo ainda, ou seja, se não se podia encontrar provas melhores que aquelas que se acabava de refutar: nessa época os ateus não sabiam fazer tábua rasa.
3.
São Paulo já acreditava que um sacrifício era necessário para dissipar o profundo desprazer que o pecado causa a Deus: e desde então os cristãos não deixaram de derramar sobre uma vítima seu descontentamento de si próprios — quer seja o “mundo” ou a “história” ou a “razão” ou a alegria ou ainda a tranqüilidade dos outros homens — é necessário que qualquer, mas qualquer coisa de bom, morra por seus pecados (mesmo que fosse somente em efígie)!
4.
Quem não haveria de ficar contente com a dedução que os crentes fazem de boa vontade: “A ciência não pode ser verdadeira, pois nega a Deus; por conseguinte, ela não vem de Deus; logo não é verdadeira, pois Deus é a verdade”. Não é a dedução, mas a hipótese primeira que contém o erro. Como, se Deus não fosse precisamente a verdade e se isso fosse realmente provado? Se fosse a vaidade, o desejo de poder, a impaciência, o temor, a loucura extasiada e assustada dos homens?
5.
Os homens verdadeiramente ativos dispensam agora o cristianismo e os homens mais moderados e mais contemplativos da classe intelectual média não possuem mais que um cristianismo conveniente, isto é, singularmente simplificado. Um Deus que, em seu amor, dispõe tudo em vista de nosso bem final, um Deus que nos dá e nos tira nossa virtude bem como nossa felicidade, de tal modo que, em suma, tudo termina por viver bem e que não há mais razão para encarar a vida pelo lado negativo ou mesmo para acusá-lo, numa palavra, a resignação e a humildade elevadas ao grau de divindade — é isso o que de melhor e de mais vivo restou do cristianismo. Mas se deveria perceber que, dessa maneira, o cristianismo evoluiu para um doce moralismo: em vez de “Deus, a liberdade e a imortalidade”, restou uma forma de benevolência e de sentimentos honestos e também a crença que, no universo inteiro, haverão de reinar um dia a benevolência e os sentimentos honestos: é a eutanásia do cristianismo.
6.
Um Deus onisciente e onipotente e que nem sequer cuidasse para que suas intenções fossem compreendidas por suas criaturas — seria ele um Deus de bondade? Um Deus que deixa subsistir durante milênios inumeráveis duvidas e hesitações, como se essas dúvidas e essas hesitações não tivessem importância para a salvação da humanidade e que, no entanto, deixa prever as conseqüências mais espantosas no caso de equívoco sobre a verdade! Não seria um Deus cruel se possuísse a verdade e se pudesse assistir friamente ao espetáculo da humanidade se atormentando miseravelmente por causa dela? — Ou, apesar de tudo, seria mesmo um Deus de amor — mas incapaz de se exprimir mais claramente? Não teria espírito suficiente para isso? Ou eloqüência? Seria muito mais grave! De fato, então se teria enganado talvez naquilo que chama sua “verdade” e se assemelharia muito ao “pobre diabo logrado”! Não deveria então suportar quase os tormentos do inferno quando vê sofrer assim suas criaturas e, mais ainda, sofrer por toda a eternidade, ao querer conhecê-lo, e que ele não pode nem aconselhar nem socorrer, a não ser como um surdo-mudo que faz todo tipo de sinais indistintos quando seu filho ou seu cão está cercado dos perigos mais assustadores? Um crente angustiado que raciocinasse dessa forma seria verdadeiramente perdoável, se a piedade pelo Deus sofredor estivesse mais a seu alcance que a piedade pelo “próximo” — pois ele deixa de ser seu próximo se o mais solitário, o mais original de todos os seres é também o mais sofredor, o mais necessitado de consolação. — Todas as religiões possuem um indício que devem sua origem a um estado da intelectualidade humana demasiado jovem e sem maturidade — todas elas tomam extraordinariamente com leviandade a obrigação de dizer a verdade: não sabem ainda nada do dever divino de se manifestar aos homens com clareza e veracidade. — Ninguém tem sido mais eloqüente que Pascal para falar do “Deus escondido” e das razões que tem para se manter tão escondido e nunca dizer as coisas senão pela metade, sinal de que Pascal nunca pôde se tranqüilizar a esse respeito: mas fala com tanta segurança que se poderia crer que se encontrou por acaso nos bastidores. Ele suspeitava uma imortalidade no “deus absconditus23”, mas teria tido vergonha e teria tido medo de confessá-lo a si próprio: é por isso que falava tão alto quanto podia, como alguém que tem medo.
7.
Quanta gente há ainda que raciocina assim: “A vida seria insuportável se não houvesse Deus!” (Ou como se diz nos círculos idealistas: “A vida seria insuportável se faltasse no fundo sua significação ética!”) — Por conseguinte, é necessário que haja um Deus (ou uma significação moral da existência)! Na verdade, a coisa é bem outra. Quem se habituou a essa idéia não deseja viver sem ela: ela é, portanto, necessária para sua sobrevivência — mas que presunção em decretar que tudo o que é necessário à minha sobrevivência deve realmente existir! Como se minha sobrevivência fosse algo necessário! Que aconteceria se outros tivessem a opinião contrária? Se recusassem justamente viver na dependência desses dois artigos de fé e se, uma vez realizadas essas condições, a vida não lhes parecesse mais digna de ser vivida? — E é isso que acontece atualmente!
8.
O cristianismo fez tudo o que lhe era possível para fechar um círculo em torno dele: declarou que a dúvida, por si só, constituía um pecado. Devemos ser lançados na fé sem a ajuda da razão, por um milagre, e aí nadar como no elemento mais límpido e menos equivoco: um simples olhar lançado para a terra firme, o único pensamento de que talvez não fôssemos feitos para nadar, o menor sobressalto de nossa natureza anfíbia — são suficientes para nos levar a cometer um pecado! Devemos notar que, desse modo, as provas da fé e qualquer reflexão sobre a origem da fé são condenáveis. Exige-se a cegueira e a embriaguez e um canto eterno sobre as ondas em que a razão se afogou!
9.
No domínio moral, o cristianismo só conhece o milagre: a mudança súbita de todas as avaliações, a renúncia repentina a todos os hábitos, a inclinação repentina e irresistível para pessoas e objetos novos. Considera este fenômeno como a ação de Deus e o chama ato de regeneração,atribui-lhe um valor único e incomparável — Tudo o que de resto é chamado moralidade e que não tem relação com esse milagre se torna desse modo indiferente ao cristão e, enquanto sentimento de bem-estar e altivez, talvez até mesmo objeto de temor. O cânon da virtude, do cumprimento da Lei, é estabelecido no Novo Testamento, mas de tal forma que seja o cânon da virtude impossível: os homens que ainda aspiram a uma perfeição moral devem aprender, em relação a esse cânon, a se sentir sempre mais distantes de seu objetivo, devem desesperar da virtude e acabar por lançar-se nos braços do ser misericordioso — unicamente esta conclusão permitiria aos esforços morais do cristão conservar um valor, na condição de que esses esforços permanecessem sempre estéreis, dolorosos e melancólicos; assim poderiam ainda servir para provocar esse instante de êxtase em que o homem experimenta “a irrupção da graça” e o milagre moral: — entretanto, essa luta pela moralidade não é necessária, pois não é raro que esse milagre se abata sobre o pecador justamente no momento em que floresce, por assim dizer, a lepra do pecado; o salto brutal mais profundo e mais fundamental para fora do pecado parece mesmo mais fácil e também, como prova evidente do milagre, mais desejável. — Penetrar o sentido de semelhante reviravolta súbita, irracional e irresistível, de semelhante passagem da mais profunda miséria ao mais profundo sentimento de bem-estar do ponto de vista fisiológico (seria talvez uma forma velada de epilepsia?) — é assunto para os psiquiatras que têm abundantemente ocasião para observar semelhantes “milagres” (por exemplo, sob forma de obsessão do crime ou do suicídio). O “resultado mais agradável”, relativamente pelo menos, no caso do cristão — não constitui uma diferença essencial.
10.
Tudo o que pode provir do estômago, dos intestinos, dos batimentos do coração, dos nervos, da bílis, do esperma — todas essas indisposições, essas fraquezas, essas irritações, todos esses acasos da máquina, que conhecemos tão mal — tudo isso um cristão como Pascal considera como um fenômeno moral e religioso e se pergunta se é Deus ou o diabo, o bem ou o mal, a salvação ou a condenação, que é sua causa. Ai! que intérprete infeliz! Como precisa contornar e torturar seu sistema! Como precisa contornar-se e torturar-se ele próprio para ainda ter razão!
11.
Tomem cuidado sobretudo de zombar da mitologia dos gregos, sob o pretexto de que ela se assemelha tão pouco à sua profunda metafísica! Deveriam admirar um povo que, nesse caso particular, pôs um freio à sua inteligência penetrante e teve durante muito tempo o tato suficiente para escapar dos perigos da escolástica e da superstição sofisticada!
12.
Pode-se constatar bastante bem como o cristianismo desenvolve pouco o sentido da probidade e da justiça, analisando os escritos de seus sábios: estes apresentam suas suposições com tanta audácia como se fossem dogmas e a interpretação de uma passagem da Bíblia raramente os mergulha num embaraço leal. Incessantemente se pode ler: “Tenho razão porque está escrito” — e então é uma tal impertinência arbitraria na interpretação que leva um filólogo a se deter entre a cólera e o riso, para se perguntar sempre e de novo: Será possível? Isso é honestidade? É pelo menos decente? As deslealdades que são cometidas a esse respeito do alto dos púlpitos protestantes, a forma grosseira com que o pregador explora o fato que ninguém pode contestar, deforma e acomoda a Bíblia e inculca assim no povo, de todas as maneiras, a arte de ler mal — tudo isso é subestimado somente por aquele que nunca vai ou que vai sempre à igreja. Mas, no final das contas, que se pode esperar dos efeitos de uma religião que, nos séculos em que foi fundada, executou essa extraordinária farsa filológica em torno do Antigo Testamento? Refiro-me à tentativa de tirar o Antigo Testamento dos judeus, com a justificativa que só continha doutrinas cristãs e que não devia pertencer senão aos cristãos, o verdadeiro povo de Israel, enquanto os judeus apenas se tinham arrogado o direito sobre ele. Houve então um delírio de interpretação e de interpolação que não podia certamente se aliar-se à boa consciência; quaisquer que fossem os protestos dos judeus, em toda parte, no Antigo Testamento, devia tratar-se de Cristo, e nada mais que de Cristo, notadamente de sua cruz, e todas as passagens em se tratava de madeira, de vara, de escada, de ramo, de arvore, de salgueiro, de bastão, tudo isso só poderia ser profecia relativa ao madeiro da cruz: mesmo o erguimento do unicórnio e da serpente de bronze, o próprio Moisés de braços abertos em oração, até os espetos em que se assava o cordeiro pascal — tudo isso não passava de alusões e, de algum modo, de prelúdios da cruz! Aqueles que afirmavam essas coisas, alguma vez acreditaram nelas? A Igreja nem mesmo recuou diante das interpolações no texto da versão dos Setenta22 (por exemplo, no salmo 96, versículo 10) para conferir em seguida à passagem fraudulentamente interpolada o sentido de uma profecia cristã. É que se estava em guerra e que se pensava nos adversários e não na honestidade.
13.
Uma gota de sangue a mais ou a menos no cérebro pode tornar nossa vida indizivelmente miserável e dura, embora soframos mais com essa gota do que Prometeu com o abutre21. Mas isso não é verdadeiramente de todo assustador a não ser quando nem sequer se sabe que essa gota é sua causa. E que se imagina que é “o diabo”! Ou “o pecado”!

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